sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Pensar no não-pensamento

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Em resumo fazer zazen é parar de fazer tudo,

ficar de frente para a parede e sentar,

sendo apenas você mesmo que é somente o self, o eu, o si mesmo – Daissen  


O zen-budismo não é uma religião, tão pouco uma filosofia – ao menos não no estilo grego que conhecemos. Como li certa vez num post no blog do monge Gensho, trata-se de um pragmatismo dialético psicológico. E como tudo vindo do Oriente, é misterioso à primeira vista. Um de seus pressupostos mais intrigantes é o de que para vermos as coisas como são, devemos abdicar da dualidade constante que caracteriza nossas vidas – bom e ruim, escuro e claro, chato e legal, difícil e fácil – permeadas pela linguagem. 


O Zen é uma via direta, sem intermediários, por isso ele não se detem muito em argumentações longas como provavelmente um filósofo grego faria com prazer. Entretanto, nossa mente ocidental clama por uma explicação sistemática sobre o que diabos os zen-budistas querem dizer com ausência de linguagem, experiência direta e ausência de dualidade. Quem pratica o zen diz constatar isso pela prática, mas como podemos saber se isso não é uma mera ilusão psicológica? Bom, a ciência é um bom método para isso. Passeando pelas bases de dados de artigos, encontrei um interessante estudo que buscou desvelar exatamente esse mistério. 


No estudo feito por Giuseppe Pagnoni e colegas, foram recrutados 12 meditadores profissionais, que tinham no mínimo 3 anos de experiência na prática diária da meditação Zen, o zazen, e 12 que nunca tinham praticado meditação. A estes, foi dito que deveriam se concentrar em sua respiração, e sempre que pensamentos ou memórias viessem à tona, voltassem o mais rápido possível a se focar na respiração. Isso descartou a possível crítica de que os indivíduos da condição controle estivessem na verdade “descansando” e não tentando meditar. Os participantes estariam dentro de uma máquina de fMRI e seriam apresentadas várias palavras, algumas sendo somente arranjos aleatórios de letras, outras, palavras da língua inglesa realmente. Eles deveriam responder, apertando um botão, qual das duas situações era. Isso feito, deveriam retornar sua atenção para a respiração (Leia aqui sobre o que é meditação num sentido geral). 


O nosso cérebro parece ter uma taxa de ativação de pensamentos, que é padrão, ou seja, mesmo quando estamos quietos, pensamentos e memórias surgem naturalmente. Os resultados do estudo mostraram que os participantes que meditavam já por um longo tempo, tinham uma atividade menor nas regiões relacionadas a esse fenômeno, depois de classificarem as palavras do teste. Os autores do estudo destacaram que a pequena região mais envolvida no processamento semântico, o giro angular, se ativou muito pouco, comparando com o grupo controle, depois da apresentação do estímulo. Em relação à velocidade das classificações ou quantidade de erros, os dois grupos não diferiram.


Os resultados parecem falar por si mesmos, isto é, revelam que o Zen é uma prática que obtém sucesso em promover a ausência de pensamento, pelo menos no sentido de que memórias, indagações e especulações sobre o futuro não formam um turbilhão capaz de nos levar a devanear descontroladamente. Isso talvez soe estranho aos olhos da civilização ocidental, mas no Oriente é muito coerente pois, para eles, a mente é sinônimo de atividade mental, de pensamento. Se não há pensamento, não há mente. 


Além de representar um alívio para nossa consciência, esse tipo de meditação acaba nos proporcionando um belo extintor de problemas. A maior parte de nossos conflitos são proporcionados pela ansiedade, que é o pensar constante em coisas que ainda não aconteceram. É algo que vai além da mera expectativa, pois a pessoa é acometida de um mal-estar bem intenso quando está ansiosa. Do mesmo modo, remoer memórias ruins não é algo proveitoso, afinal, os problemas já se foram. Claro, não precisamos anestesiar nossa mente e nunca mais nos direcionarmos ao passado nem ao futuro. Não. O que devemos desenvolver é o senso de realidade grande o suficiente para pensarmos nessas coisas e não sofrermos por elas em vão, para devanearmos mas conseguirmos interromper o processo calmamente


Referência

Pagnoni G, Cekic M, Guo Y (2008) ‘‘Thinking about Not-Thinking’’: Neural Correlates of Conceptual Processing during Zen Meditation. PLoS ONE 3(9): e3083. doi:10.1371/journal.pone.0003083