sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Por que o Batman não mata o Coringa? O dilema filosófico de Bruce Wayne

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Quantas vidas você prejudicou, 
quantas famílias arruinou,
por deixar o Coringa vivo...?
E por que?Por causa de seu dever?
Seu senso de justiça? 
 – Jason Todd


O Coringa é o arquiinimigo do Homem Morcego. Já causou inúmeras mortes brutais. Surrou um dos Robins até a morte e torturou a filha do Comissário Gordon até que desse o último suspiro e depois ainda mostrou as fotos da mulher nua e acabada para o policial; e isso só para não mencionar as inúmeras mortes de cidadãos comuns de Gotham. Batman sofre com o Coringa, a população e a polícia também. Não seria melhor, então, que nosso herói mascarado acabasse de uma vez por todas com esse crápula? Muitos diriam sim, mas a resposta não é tão fácil assim se formos analisar profundamente o dilema moral de Bruce Wayne.


Essa é uma questão que aparece no dia-a-dia de nossas vidas. Por exemplo, seria moralmente defensável a explosão do avião que se chocou contra as Torres Gêmas em 2001, por um míssel lançado pelos americanos, antes que o choque ocorresse? Nesse caso, morreriam tanto terroristas quanto  passageiros, mas todos os milhares de mortos que trabalhavam nos dois prédios seriam poupados. O mesmo podemos pensar de algum bandido que esteja escondido nas favelas ou do tráfico como um todo. Por que a polícia não pode simplesmente entrar e de alguma forma matar  todos que estejam num raio de alguns metros do marginal? Ou até entrar no local e matar antes de qualquer oportunidade de ele fugir ou fazer reféns (tudo isso supondo que essas ações radicais resultariam, no final, em menos mortes do que deixar os criminosos vivos). Muitas pessoas, por via direta ou indireta, não seriam estatística nos relatórios de obtuários. 


Os fins justificam os meios

O que essas três situações tem em comum? Simples, o fato de que muitas vidas seriam poupadas em nome do sacrifício de uma. Esse tipo de ética é conhecida por utilitarismo, e foi formalmente defendida pelos filósofos Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Eles acreditavam, em suma, que deveríamos sempre guiar nossas ações de forma a aproduzir a maior quantidade de bem-estar no maior número possível de indivíduos. Essa é uma ética consequencialista, afinal, o que é analisado moralmente são as consequências de um ato, não o ato em si. Nessa visão, as propostas radicais que enumerei acima estariam perfeitamente amparadas moralmente. Em outras palavras: os fins justificam os meios.

John Stuart Mill

Cada ato vale por si mesmo

Agora, pensemos: um super-herói costuma agir dessa forma? Claro que não. Pense em todas as vezes que os X-men poderiam apenas dar cabo do poderoso mutante Magneto, e impedir todo o conflito que sempre há. Ou na possibilidade tentadora de mandar o Wolverine enfiar suas garras no coração de algum outro desordeiro que queira suscitar uma guerra entre humanos e mutantes. Da mesma forma, Batman poderia acabar com o Coringa usando apenas uma de suas mãos, mas ele não o faz. E a consequência é que muitas mortes ocorre para que um homem sobreviva. Em outros termos, Batman se recusa a quebrar sua única regra: não matar. Se ele disser isso, acredita que não será diferente dos bandidos de diversas estirpes que ele diariamente combate em Gotham.


Se Kant fosse leitor das HQs do Cruzado Encapuzado, sentiria orgulho de Bruce Wayne, pois ele é um verdadeiro deontologista. Em Kant, esse estilo ético remete ao dever moral, que inclui, entre outras coisas, o valor pela ação em si. Não importa o resultado de sua ação, o que importa é a própria ação. Existe um imperativo categórico que diz a Batman que ele simplesmente não pode matar o Coringa porque matar é errado. 

Batbonde

Essas duas formas de ética costumam ser exploradas através do dilema do bonde. Se você estivesse à bordo de um trem em movimento e soubesse que logo a frente, existem 5 pessoas nos trilhos. Se continuar no mesmo curso, o trem matará esses 5 terrivelmente. Mas você pode mudar isso. Perto de você há uma alavanca que, caso seja empurrada, modificará a conformação dos trilhos e jogará o vagão para outro caminho. Mas esse outro caminho possui uma pessoa andando pelos trilhos. Por ali, o trem matará ela, mas poupará as outras 5. O que você faz? 

Muitos respondem que virariam a alavanca, afinal, é melhor que uma pessoa morra do que cinco. Apesar de não entenderem nada de filosofia moral, as pessoas em geral optam por essa lógica utilitarista de maximização do bem-estar para o maior número de indivíduos, ou o impedimento de um grande mal para o maior número de sujeitos. 
Imagem baseada numa das capas das novas edições reformuladas da DC: Os Novos 52
Agora, se ponha no lugar deste outro dilema: você é um médico que está com seu parceiro de equipe numa sala de cirurgia com 5 pacientes que necessitam de doação de órgãos (diferentes) para que sobrevivam. Você sente um dever moral de salvar essas pessoas mas não sabe como. Daí, uma luz aparece e vc percebe que pode dopar seu companheiro e retirar os órgãos dele, para salvas esses 5 indivíduos à espera de algum socorro. 

“Horror!”. Acho provavelmente que você tenha pensado algo do tipo. Com certeza, esse é um cenário digno de um Jogos Mortais da vida. Mas o que torna essa situação mais aterrorizante e despropositada do que a anterior, a do trem?? Na verdade, racionalmente, NADA. Em ambas, haverá a minimização do mal-estar: trocaremos a vida de uma pessoa pela de cinco. 

Acusando Batman

Na dupla de situações, analogamente, Bruce Wayne é o cara que vai decidir quantos sobreviverão. Na primeira, ele tem o poder de virar a alavanca, na outra, é o médico que pode ou não dopar o outro médico. A aterradora conclusão é que o Coringa é sempre aquela única vítima que pode ser sacrificada em nome de muitos. E Batman sempre escolhe não sacrificá-lo em nome de sua moral nada utilitarista. 

Antes de colocar o Homem Morcego na berlinda, temos de levar em conta que essas situações hipotéticas avaliam nossa tomada de decisão mas não se parecem tanto com situações reais. Estas são mais complexas, de forma que as pessoas envolvidas em tal dilema não seriam equivalentes do ponto de vista moral, mas cada uma já traria consigo algo.

No dilema do trem, quem poderia ser o cara nos trilhos? Poderia ser um funcionário da empresa. E os outros 5? Poderiam ser pessoas bêbadas voltando de um bloco de Carnaval, e que caíram lá de tão fora de si que estavam. É provável que nesse caso tendamos a considerar que a morte de um em nome dos 5 seria injusta.


Se invertêssemos os papéis, com o único cara nos trilhos sendo o bêbado e os outros, sendo pessoas voltando de um dia de trabalho que após um empurra-empurra foram jogadas ali, trocaríamos nosso julgamento também. É claro que na realidade o melhor seria que ninguém merecesse morrer, mais ainda se não tivéssemos que tomar a decisão de quem morre e quem vive. Mas a verdade é que no calor do momento emitimos um jugamento irrefletido. Poucos são os que em momentos calorosos não agem assim, preservando a serenidade e tal.

O colapso das éticas
Um utilitarista típico estaria indignado com a resignação de Batman. Isto porque seria sua obrigação preservar o bem-estar da maior quantidade de pessoas possível. Mas Batman nunca faz essa escolha quando se trata do Coringa. Todavia, Batman está fazendo o que pode, para seu próprio bem. A ética utilitarista implica numa consequência desagradável: se o indivíduo se encontrar em uma situação em que sua própria morte seja necessária para salvar mais vidas – mesmo que seja duas vidas -, seria obrigado a dar cabo de si mesmo.


Se você está cético, acho melhor considerar essa idéia fortemente! Em Batman Begins e em histórias em quadrinhos, é sugerido várias vezes que a existência de super-vilões do naipe do Coringa deve-se a existência do próprio Batman. De fato, há uma história em que o Cavaleiros das Trevas está sumido, enquanto o Coringa está preso no Arkham. Quando ele vê no noticiiário que o Batman voltou, na mesma hora arruma um jeito de fugir do lugar. Quer dizer, a existência do herói complementa, dá sentido à vida do palhaço pirado. 

Não estou afirmando que o Batman é sádico o suficiente para ter jurado combater algo que ele mesmo criou. Não. A questão é que Gotham estava podre antes mesmo da morte de seus pais, mas é óbvio que a sua existência interferiu na corrente de eventos que gerava a criminalidade na cidade. É óbvio que caras tão durões quanto ele surgiriam. Mas a questão é: a presença de Batman em Gotham, criando super-vilões e tudo o mais, acabou gerando mais mortes ou menos? Não sei a resposta, mas em caso de ter resultado em mais mortes, o seguimento da moral utilitarista teria gerado um paradoxo muito mais profundo, pois se a existência do mascarado foi mais danosa, isso implicaria no fato de que ele não deveria ter existido. 

Mas, é claro, acho que apesar de todos os danos que vilões loucos causem à cidade, a presença de Batman não é só boa porque faz com que a criminalidade diminua, mas porque ela mobiliza os cidadãos de Gotham a lutar contra isso, a não perder as esperanças. Ela faz surgir o que tem de melhor em cada cidadão. E isso é melhor do que uma cidade apática ou medrosa.


Se você gostou desse post, veja mais dois que devem lhe interessar: Batman e o poder da promessa e Batman: quando o porquê precede o como.



3 comentários:

SrMaicol disse...

Não é correto culpar o Batman pelos estragos que o coringa faz. Tudo bem que como Vigilante ele não é obrigado a seguir a risca da lei como a polícia.Mas a polícia de Gotham não consegue prender o palhaço e quando o Batman entrega ele de bandeija, o único trabalho que a polícia tem e manter ele preso, e mesmo assim eles falham.
Não é a competência do batman que deve ser questionada e sim a das autoridades de Gotham.
Aliás em várias HQs o Batman deixa bem claro que não cabe a ele decidir quem vive e quem morre, acho que com isso ele quis dizer que nem ele está a cima da lei.

SrMaicol disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Uma teoria é que Batman não mataria o suposto irmão, coringa, por conta do drama vivido como contado nesta última versão nos cinemas.

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